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Geração Y nos relacionamentos amorosos: por que somos assim?

Por algum motivo, todo mundo adora malhar a geração Y (os nascidos em início de 80 até meados de 90). Somos floquinhos de neve que se acham mais especiais (e daí teriam surgido os hipsters?), que pulam de emprego em emprego porque não se ajustam ou sempre acham que merecem muito mais. Somos a geração que não sabe amar, mas que também não sabe deixar coisas pra trás. Mas que droga, hein?

Lembro de alguém dizendo que essa geração vive dilemas por estar bem no meio de uma transição. A geração X, que nos antecede, é bem mais conservadora e vivenciou as glórias e os temores de políticas militares. Ela veio logo depois da 2ª Guerra mundial, e sofria a ameaça constante de uma 3ª Grande Guerra, a partir das tensões da Guerra Fria. No Brasil, essa geração atravessou a ditadura militar, inflações estratosféricas, desigualdade social esmagadora. Ela ansiava por estabilidade e trabalhava para conquistar um futuro seguro.

Já a geração Z, que nos sucede, é dinamismo puro e mega-engajada em questões sociais. Para eles, a vida é — e sempre foi! — globalizada e multicultural. A informação é descartável e efêmera, substituível. Essa é uma geração flexível e consciente, que não hesita em peitar os status quo nocivos, que nos trouxeram ao mundo pré-apocalíptico no qual parecemos habitar.

Pois bem, aqui estamos nós, entre os que anseiam por estabilidade e entre os que enxergam a urgência e a necessidade de mudanças. Entre a segurança e a fluidez. Talvez envelhecer, independente da época em que isso aconteça, signifique entrar em conflito com o presente. O que mais nos diferencia de nossos sucessores, da geração Z, foi uma grande revolução que testemunhamos e que, para eles, nunca foi novidade alguma, pois já veio acoplada às estruturas do que eles compreendem como “mundo”. Sim, ela mesma, a popularização da internet.

Nossos pais não entendiam nada do assunto e evitar essas modernidades foi, durante muito tempo, possível e viável para eles. O mundo foi se conectando enquanto crescíamos; antes disso, as pessoas ainda mandavam cartas umas às outras. Imagine só, pelo correio e escritas à mão! Pois bem, aprendemos tudo sozinhos. A internet foi como nossa irmãzinha mais nova, negligenciada pelos nossos pais, que moldamos e observamos crescer bem de perto. Para a geração Z, o mundo virtual nunca foi um estranhamento, ele já nasceu mais ou menos do jeito que hoje em dia é. A internet, esse turbilhão de informações e novidades, por sua vez, nunca foi novidade alguma.

E ela trouxe consigo revoluções sociais, políticas e comportamentais. Vou citar um exemplo de mudança que a internet ajudou a turbinar. Quando nós, da geração Y, éramos crianças, divórcio ainda era algo pouco comum no Brasil*. Lembro que eram raros os meus colegas que tinham pais separados, e quando isso acontecia, era algo polêmico que certamente, diziam, traria desajustes psicológicos nos filhos. Tudo era menos instantâneo e menos efêmero, incluindo as relações. Hoje em dia, entre aplicativos de relacionamento, hashtags, instagrams e o escambau, é possível conhecer uma infinidade de pessoas tão interessantes, o tempo inteiro, e que têm tanto a ver com a gente. Citando Bauman**, os afetos são líquidos, e se movimentam no mesmo ritmo que o fluxo das fibras óticas. Quem cresceu no século XXI não precisou se adaptar a nada disso, porque são, desde sempre, orientados por esse dinamismo. Substituir é mais fácil. Eu sei que generalizar é perigoso, mas não parece haver, de fato, algo estruturalmente diferente nessas pessoas? Uma maior descrença diante das instituições matrimoniais e de laços amorosos engessados?

A globalização é o “desaparecimento” das distâncias entre diversos países, a partir do barateamento dos meios de transporte e comunicação. No princípio disso tudo, fomos levados a crer que, diante desse mundo recém-descoberto, cada um de nós era, sim, um floco de neve, com seu intrincamento especial e único. Mas e daí? Se todo mundo é único não quer dizer que somos todos iguais? Apesar das diferenças, há várias versões nossas por aí, facilmente intercambiáveis e substituíveis. Pois bem, de especiais e únicos, passamos ao incômodo (?) status de “mais um na multidão”.

Estamos, pois, entre uma geração tão conservadora quanto a X, e uma tão dinâmica quanto a Z, e isso é sem dúvida desnorteador. Os tipos de sinais que recebemos do mundo, nos orientando como deveríamos nos comportar em sociedade, se modificaram radicalmente de quinze anos para cá. Fomos atravessados por uma revolução tecnológica e social enquanto nos formávamos como indivíduos. Talvez envelhecer, independente da época em que isso aconteça, signifique entrar em conflito com o presente. No nosso caso, com o passado também. Diante de parâmetros comportamentais tão distintos, como proceder nas relações com o Outro?

Entre a cruz e a espada, entre a estabilidade e a fluidez. Diante de parâmetros comportamentais tão distintos, quem é o Outro com quem lidaremos e, mais importante, quem somos nós? Alguém que salvaguardou-se no passado ou imergiu no presente? Ou ainda, alguém que têm oscilações espasmódicas entre um e o outro justamente porque não sabe como proceder? Nas relações amorosas, onde a proximidade e a intensidade são maiores, responder a tais questionamentos e resolver as tensões entre esses padrões comportamentais torna-se mais urgente. Nos apegarmos ou não? Desconectamos ou mantemos o plug?

A vida frequentemente nos propõe escolhas e nos exige posicionamentos. Há uma questão, em especial, que sempre me assoma, e que tem a ver com tudo isso. O que é amor, afinal? Está mais para A ou mais para B?

A) O amor é um episódio, fruto do acaso romântico Hollywoodiano, no qual você tromba no(a) gatinha(o), derruba sua pasta e seus papeis no chão e seus olhares se encontram quando ambos se abaixam, e tudo flui bela e naturalmente. Nesse caso, as relações amorosas seriam fruto das circunstâncias e da sorte. Desse modo, assim que as circunstâncias pararem de ser as ideia, e a mágica do romance já não fluir com a tal pessoa, seguimos em frente. A fila anda, the are plenty of fish in the sea. Iguais a você, têm mais dez, a mágica amorosa agora acontece aqui no aplicativo de relacionamento do meu celular .

(a referência hollywoodiana talvez faça parece que eu esteja falando de comédias românticas baseadas no “felizes para sempre” e consequentemente num ponto de vista conversador. A minha ênfase, aqui, porém, é no caráter casual, fortuito e episódico desse amor. Quando eu chegar no B, deve ficar mais claro).

B) Ou o amor não se encerra em um episódio, quando as circunstâncias favoráveis acabam? E nesse caso, o relacionamento não seria, ao invés, uma extensão no tempo, que passaria por nuances, altos e baixo, e crises — às vezes bem terríveis? Eu ouço de pessoas mais velhas ou dos que vivenciam relacionamentos duradouros, que é isso aí, não há encaixe perfeito 100% do tempo. O amor não é fruto exclusivo de prazer, mas também de muito esforço para entender o outro, trabalho e dedicação. É preciso, portanto, ser flexível, ir se desconstruindo e reconstruindo ao redor desse sentimento nutrido e desse Outro, que é o objeto do amor.

O mais tradicional e moralmente plausível parece a opção B, não parece? Não era assim que viviam nossos avós? 50 anos de casado, olha que coisa bonita. Mas e a minha avó que tinha um relacionamento absolutamente miserável, vivia tomando galhos do marido com diferentes mulheres, e cuja vizinha tinha filhos com o próprio? Aposto que se dar um chute na bunda daquele homem e instalar um tinder fosse uma opção na época, ela o teria feito sem pestanejar. Não era. Ela vivia no interiorzão da Bahia e não tinha a independência ou o empoderamento que tantas mulheres hoje em dia têm.

Segundo o Bauman, queremos “comer o bolo e conservá-lo”, A e B ao mesmo tempo. Queremos atar os laços, mas com a constante possibilidade de desfazê-los. Atar demais os laços já pressupõe mais riscos do que eu gostaria de assumir, mas abandoná-los por completo é impraticável para a minha solidão. Vivemos, assim, relações mantidas seguras pelo intermédio de fibras ópticas, mas entramos em pânicos com relações 100% de carne e osso em tempo integral, em que somos obrigados a lidar com a incômoda constante presença do outro, sem a facilidade de, simplesmente, nos desconectarmos ao apertar de um botão.

Eu penso que o Bauman retrate as angústias que ele vê na geração Y, ao mesmo tempo em que sua própria nostalgia diante do passado (Bauman tem 90 anos, portanto de algumas gerações atrás). Embora não haja como negar a precisão de seu olhar enquanto sociólogo, desde a primeira vez em que o li, senti algo como essa nostalgia melancólica, ligada a um julgamento moral que me incomodou; como se as relações líquidas fossem sempre ruins e sobre elas pairasse o constante luto decorrente da falta que essas relações sólidas nos fazem. Esse luto é real, mas toda perda pressupõe ganhos automáticos; destruição e criação são irmãs siamesas. Parte do desajuste da geração Y deve ser justamente estar perdida e confusa entre a fluidez e a solidez das relações. Nós somos a ponte entre o passado e o futuro.

Além de carregamos essa nostalgia, o presente nos traz muitas perguntas que o futuro possivelmente responderá. Talvez a geração Z, que já nasceu em meio à internet e entende a necessidade de mudanças, nos traga essas respostas.

Enquanto perguntas não são respondidas, em meio a relações humanas nas quais ninguém sabe porra nenhuma, nos atenhamos ao vislumbre de solução que temos em mãos. Uma das poucas e tangíveis possibilidades é o diálogo. Talvez não precise ser nem verbal ou falado, há muitas formas de comunicação por aí. Trata-se simplesmente de tentar entender o outro. Só isso. Tentar ouvir e entender de verdade, não transferir o seu olhar e a sua moral para as ações do outro. Não imprimir julgamento ou condenação. Eu sei que pode ser difícil, principalmente se não houver o hábito de escutar, ou de simplesmente perceber as demandas do outro. E não se trata de resposta mágica alguma, mas sim da caminhada que conduza até ela; do ensaio de uma solução.

Se relacionamentos são contratos, que dependem de acordos, eles podem variar de casal para casal — essa, inclusive, é uma característica desses novos tempos; antes éramos todos iguais, diziam. Em meio à tanta pluralidade, entender o que o outro esteja pensando e sentindo é essencial. Ah, sim. Mas diálogo aliado a autoconhecimento, porque não adianta muita coisa ficar mentindo para si mesmo e, ainda por cima, mentir para o outro, adianta? Só confunde todo mundo mais ainda.

Diálogo, autoconhecimento, e empatia. Tudo isso, é claro, aliado ao amor-próprio. Não digo amor-próprio do tipo que nos faz orgulhosos e grosseiros. Falo do tipo que faz de nós mais gentis com o outro e, sobretudo, com nós mesmos (gente mal-amada, inclusive por si mesma, vai querer foder com a vida dos outros, não seja essa pessoa).

* Sim, não foi a internet que “inventou o divórcio” rs. Um outro motivador que poderia ser citado é o feminismo, mais especificamente, a segunda onda feminista, que no Brasil chegou na década de 70, mas que só colheria seus frutos nas décadas seguintes? Uma vez tendo conquistado independência e automonia, se separar se tornou uma opção viável para as mulheres. Mas a internet também não ajudou em tudo isso? Dar voz aos oprimidos, fazer com que eles se encontrassem nesse mundão, se amparassem e fortalecessem? Eu sei lá, eu só estou chutando. ¯\_(ツ)_/¯ Me surpreende que as pessoas ainda me ouçam, sério mesmo. Aliás, na verdade elas não me ouvem, geralmente não.

** Para quem não conhece, é um sociólogo aí, das modernidades, meio “pop”. Ele fala sobre o assunto, principalmente, em O Amor Líquido.

Lis Kuroki é artista visual, escritora, e um ser humano igual a todo mundo, com pulsões, vontades, sono e fome. Aqui no blog seus textos são recheados de achismos conscientes, mais ou menos embasados em teorias respeitáveis. Somadas a uma boa dose de empirismo.


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