top of page

Retratos de um país doente


Eu não ligo muito para o Carnaval, então me mantenho afastada dos acontecimentos, mas nesse último aconteceu algo que me deixou muito feliz. Saber que praticamente triplicaram as denúncias no número 180, da Central de Atendimento à Mulher. Estamos dando os primeiros passos em direção à segurança feminina, ao direito de ir e vir e, principalmente, as próprias mulheres estão começando a entender que certos comportamentos apoiados pela sociedade machista não devem ser aceitos. Infelizmente, duas outras notícias me trouxeram novamente a sensação de que ser feminista no Brasil é “enxugar gelo”. Pedro Paulo, candidato de Eduardo Paes à sucessão da Prefeitura do RJ, que agrediu a ex-esposa Alexandra Marcondes por duas vezes (que sabemos, por boletins de ocorrência que vieram a público), apresentou uma nova versão sobre as denúncias. Agora Pedro Paulo diz que ele é quem primeiro foi agredido por Alexandra, então somente teria se defendido. Obviamente eu já esperava esse tipo de reviravolta, considerando-se que ele é, além de agressor, um político extremamente acostumado a mentir para obter o que deseja. Tendo o apoio dos colegas de partido, ele sabe que no final das contas, no país em que vivemos, as acusações contra ele provavelmente não vão dar em nada, basta ele ir se defendendo, distorcendo a história, até se tornar a vítima. O que eu não esperava era ver uma mulher se pronunciando a favor dele, nesse momento em que estamos discutindo tanto o feminismo, em que tantas atitudes consideradas normais pela sociedade vêm sendo desconstruídas. Flora Gil, esposa de Gilberto Gil, declarou que “Não deixaria de votar num político que admiro porque ele bateu na mulher. Eu pensaria melhor, mas deixar de votar só por isso, acho simplório. Não tenho nada com isso, a mulher é dele”. Então, em pleno Carnaval, com várias campanhas contra assédio acontecendo em todo o país, com tantas atitudes positivas de mulheres mostrando que estão aprendendo como se defender das agressões, dispostas a mudar o que acontece não só em períodos de festa, mas no dia-a-dia, uma mulher, que não deve saber o significado da palavra sororidade, abre a boca e diz algo assim.

Flora Gil não é apenas uma mulher. Ela representa o pensamento machista que permeia a maior parte da nossa sociedade, de que a mulher é propriedade do homem e que ele pode fazer com ela o que bem entende. Ela representa todos aqueles que pensam que a agressão é algo normal e que se um homem bate em uma mulher, ele é um cidadão que merece respeito e não deve ser punido, afinal, “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Eu não sei se ela já foi agredida e fala isso por achar normais as agressões. Eu não posso analisar a vida dela apenas por vídeo ou por fotos, então também não posso afirmar o contrário. Não dá para dizer que ela age assim porque tem um marido bom e nunca apanhou. O que posso dizer, sendo uma mulher que sofreu violência a maior parte da vida, é que ela nem deveria ter se pronunciado a respeito desse caso, pois não tem a menor noção do que está falando. Seja porque nunca aconteceu com ela ou somente porque ela ainda não se deu conta do que é aceitável ou não quando se trata de caráter.

Pessoas que agridem outros seres, seja mulheres, crianças, animais ou mesmo homens adultos, como se fosse algo normal, são pessoas sem caráter, que se comportam em sociedade da mesma forma como agem dentro de suas casas, através das mentiras e manipulações. A mentira faz parte do dia-a-dia, eles precisam atuar o tempo inteiro para que suas sujeiras não sejam descobertas. Tanto é que, por mais que o nosso país ainda seja muito machista, Pedro Paulo não pode simplesmente dizer “Eu agredi sim, porque quis, eu resolvo minhas discussões na base da porrada”. Até mesmo para admitir que errou, ele tem que distorcer, de forma a deixar a notícia mais aceitável. Esse é o tipo de político no qual Flora Gil confia?

Obviamente eu quero que um agressor pague pelo que fez, quero a punição, não que ele seja condecorado com um cargo político, onde ele pode fazer ainda mais estragos do que já fez com a própria família. Espero que você também queira isso. Espero sim que você saiba escolher bem as pessoas que vão governar o Brasil, pois elas serão responsáveis pela nossa segurança. Não podemos tratar esse assunto como um problema de casal, como algo que não nos diz respeito. Pense também além da política. Pense em todo o tipo de pessoas com as quais convive e nas coisas que sabe que são erradas, mas aceita como certas, somente porque “o mundo é assim mesmo”. Precisamos nos informar, nos defender, nos proteger, entender que o que acontece dentro de várias casas não são casos isolados e que o comportamento dos agressores se reflete na sociedade. Não podemos reclamar que o mundo está ruim, violento, difícil, que nos falta paz e oportunidades, se permitimos que o anormal se torne normal, apenas porque já estamos acostumados com tantas coisas ruins. Infelizmente não podemos mudar o mundo inteiro rapidamente, mas podemos fazer a nossa parte para torná-lo melhor. Não é uma utopia! Mudando o que acontece em nossas vidas, aos poucos conseguimos modificar o que está ao nosso redor e expandir as ações positivas, mesmo que seja passo a passo, mesmo que demore centenas de anos. Não podemos ficar paradas. Não podemos desistir!

Fontes:

Declaração Flora Gil

Bianca Lemos

Escrevo para ser levada a sério, pois quando eu falo, as pessoas prestam mais atenção nas minhas expressões faciais e nos meus gestos expansivos, então o conteúdo se perde ou elas riem.

Sou como uma atriz de cinema mudo. Conforme falo, vou demonstrando o que sinto e aí qualquer assunto sério com uma mulher que arregala e revira os olhos, se sacode inteira para falar, vira apresentação de Stand-up. É tudo culpa do sangue italiano!


Posts Em Destaque
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
Nenhum tag.
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
bottom of page