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Não é nossa culpa!


Existe um instinto primitivo no ser humano que é o de ter um certo pavor de assumir culpa e erro.

É uma coisa quase infantil. Esconde o erro, olha pro lado e finge que não é com a gente ou...transfere a culpa para o outro. "Eu fiz isso porque você não me deu outra escolha!" ou "Eu não fiz isso, você que não entendeu direito".

Desde que li o caso das meninas que foram assediadas e humilhadas no tal do Quitandinha (leia sobre o ocorrido aqui, aqui e aqui), penso nisso com muito desconforto.

Ler o relato da Julia já foi um soco no estômago (não daqueles que vem por causa da surpresa da situação e sim dos que a gente se identifica tanto que tudo fica muito próximo e doloroso. "Puts, sei bem como é...já passei por isso), o silêncio do bar por tantos dias foi ensurdecedor e, vem o golpe final (que depois descobrimos que era apenas o começo) o bar finalmente se pronuncia e...culpa as vítimas.

Frases como "O bar existe há 25 anos, nunca teve esse tipo de situação, nunca houve uma ocorrência como esta, o bar é frequentado por 70% de mulheres, sendo que nunca houve essa reclamação durante todo esse tempo.", "Estranha o fato da pessoa que conta a história não querer assistência como foi dada no momento, estranha a pessoa não querer denunciar o agressor e sim, apenas falar do bar.", "...mostrar a verdade dos fatos, esses que terão que ser provados, caso contrário, será movido um processo por difamação e calúnia contra o estabelecimento.", "Repetimos, nunca houve essa situação no bar, por isso estranhamos o que foi relatado, pois o bar não compactua com isso!!", faziam parte do comunicado.

Quer dizer, depois de dias de silêncio, a única resposta deles foi dizer "Tem alguma coisa errada. Muito estranho tudo isso aí e a culpa não é nossa!"

Não houve um momento de parar, pensar, assumir o erro e a responsabilidade. De dizer que sentiam muito que pessoas tenham se sentido constrangida e humilhadas em seu estabelecimento e que fariam de tudo para melhorar, ajudar e tomar as medidas para que isso nunca mais se repetisse.

Na hora de se posicionar, o instinto primitivo e infantil falou mais alto: "Não é nossa culpa!"

Depois houve um pedido de desculpa meio torto e contrariado (igual de criança que pede desculpa porque os pais obrigaram) e aí, quando achávamos que nada podia piorar, os queridos responsáveis pelo bar ou seus assessores super geniais (contém uma quantidade industrial de ironia) resolvem voltar com tudo com o assunto e trazer um pouco mais de humilhação e constrangimento para as vítimas.

Qual foi a ideia genial? Mostrar o vídeo da câmera de segurança do bar, sem áudio e bem editadinha, para mostrar que as duas meninas são umas loucas e que eles são as verdadeiras vítimas de gente que quer acabar com a belíssima reputação do seu querido barzinho.

Bem, é claro que teve gente que caiu nessa e aí lá vem mais humilhação pra quem já passou por tudo aquilo (as meninas assediadas), rever as cenas, ler comentários de gente esquisita dizendo o quanto elas são loucas e exageradas, que "a verdade sempre aparece" e tantas outras barbaridades.

Eu vi o vídeo e, sério, é das coisas mais tristes e doloridas. Mesmo editado, percebemos o tanto que as meninas foram assediadas, humilhadas, constrangidas. O quanto estavam sozinhas, sem amparo, com gente despreparada, que, o máximo que fez foi separar 10 cm uma mesa da outra e dar tapinha nas costas dos assediadores para que eles e acalmem, sentem e assim, possam continuar tomando sua cervejinha na paz.

Sabe o instinto primitivo do ser humano de não carregar a culpa, que falei no começo do texto? Ele só acompanha nós, mulheres, até o finalzinho da infância. Depois a maioria de nós a carrega como um fardo. Não por escolha nossa, por escolha do outro. "Eu fiz isso porque você não me deu outra escolha!" ou "Eu não fiz isso, você que não entendeu direito", parece familiar? Quantas vezes escutamos isso?

A diferença é que agora estamos juntas, nos fortalecendo. Falamos, apontamos, gritamos, se preciso for! A culpa não é nossa e não vamos deixar que transfiram pra gente!

Como mulher e profissional de comunicação, olho pra essa tentativa patética do bar em transferir o erro pra quem sofreu constrangimento e só consigo ver despreparo e desespero em perceber que as coisas mudaram e que não vamos mais tolerar ser silenciadas!

Não adianta colocar cartaz dizendo que é contra o assédio. Não adianta fazer campanha contra a violência se as atitudes não combinam.

Assumir o erro, pedir desculpas, se preocupar em mudar, em preparar o pessoal, em inibir constrangimento de clientes dentro do estabelecimento, escutar criticas, repensar, mudar, isso teria funcionado.

Nós não vamos ficar caladas! Não é nossa culpa!

Mila Coutelo

Roteirista e idealizadora do Fala Dela.

Tem a pretensão de mudar o mundo...nem que seja só

um pedacinho.

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